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quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Secundarista: teu nome é povo na rua (2008) - Paulo Vinícius





Desde 2002, com a vitória de Lula, os movimentos sociais se defrontam com difíceis questões. Pela correlação de forças e a composição heterogênea do governo, pelo peso relativo dos partidos de esquerda na sociedade brasileira, e também pelas dificuldades

Ademais, a “defensiva” vai mudando à medida que os povos encontram caminhos. Deste modo, são questões complexas por serem de tempos de transição. Uma delas, central, é encontrar a linguagem, as bandeiras, a unidade e o tom que permitam fazer o povo tomar um papel mais ativo na batalha de idéias que se desenrola diariamente.


Observamos neste segundo mandato uma evolução da tática da direita conservadora. O jogo é bruto, e percebemos a série de experimentos tentativa-e-erro, articulados, visando a impedir o êxito do governo, defender teses derrotadas nas urnas e nas ruas, abrir caminho para o retrocesso. É uma luta prolongada, cuja definição – espera-se – só terá desenlace em 2010. O 16 de Agosto de 2005 quando, em Brasília, estudantes, na maioria secundaristas, e o movimento comunitário em conjunto com outras organizações do movimento social neutralizaram uma escalada de cunho claramente golpista ilustra muito bem como é importante a mobilização popular, como faz a balança pesar.


Por isto, encontrar o tom, as bandeiras, as formas que permitam levar as multidões a ocupar o centro da cena política pode apoiar avanços como as reformas tão necessárias para blindar as conquistas obtidas nos últimos 5 anos, quanto para palmilhar o caminho da vitória do povo brasileiro em 2010. Minha opinião é que isto não é um “problema de gestão”, não será apenas através dos espaços institucionais que solucionaremos tal dilema, vide inclusive eventos como a perda de 40 bilhões para a Saúde com o fim da CPMF. A justa articulação das formas de luta, com a ação nos espaços político-institucionais, a luta de idéias e de ampla mobilização social, este é o tripé que pode nos fazer chegar mais adiante. E, no tripé, a mobilização popular é a arte.


Deste modo, revisitar as experiências de ascenso de massas no nosso país, refletir sobre nossa ação militante é muito importante. Ao preparar o 14o. Congresso da UJS, assim como a estruturação da Central de Trabalhadores e Trabalhadores Brasileiros neste semestre, temos a oportunidade de refletir com a juventude e os trabalhadores sobre estas questões, grande parte do nó górdio da mudança: que formas, que bandeiras podem expressar na prática para amplos contingentes a mudança em cada área; como unir amplos setores em mobilizações que combatam a direita e seus propósitos desestabilizadores, que pressionem e ofereçam ao governo a possibilidade de ações mais ousadas; como dizer não quando se colocarem propostas contrárias ao interesse do povo; como neste processo plasmar o elemento consciente, preparando milhares de lutadores(as) para as batalhas que, acerbas e ácidas, só tendem a aumentar seu potencial corrosivo.


Por isto este artigo artigo fala tanto de quem mais põe juventude na rua, o movimento secundarista.


Sobre a panfletagem


Se existem duas coisas que fiz durante toda a minha militância na UJS, uma foi distribuir panfleto e a outra foi “passar em sala” de aula. Militante não entrega papel; panfleta. E a panfletagem deve ser um acontecimento. É simples: tem um lugar por onde todos passam e um grupo de militantes fica no ponto exato falando para a moçada em cerca de um minuto, tempo cada vez menor quão mais perto do horário de trabalho ou do começo da aula. Aquele sono de quem acordou cinco e meia da matina – ou antes, quando o assunto é fábrica e garagem – ou então aquele sol rachando ao meio-dia. Panfletar é para quem acorda cedo e almoça rapidinho. Se a pessoa te reconhece a recepção é uma; a depender do que diga, será outra. É o convite à leitura da nossa opinião, na maioria das vezes que nós mesmos escrevemos. E poucas coisas combinam tão bem quanto uma palavra justa e um(a) estudante que tem o respeito e a amizade dos(as) colegas. Quando estes jovens se juntam seu poder é imenso e, dentre essa moçada da luta, destaca-se a galera da UJS, este pessoal que ganha congresso e faz passeata, os(as) jovens socialistas.


Que três ou quatro frases dirá o(a) jovem socialista como introdução à entrega do panfleto, no local de trabalho ou em frente à faculdade? O que dirá, dirá repetidas vezes? Quantas frases terá esse bordão? Será em hip hop, terá rimas, será em cordel? Haverá máscaras e performances? Todas estas e muitas outras perguntas são feitas por aqueles que ao panfletar inauguram sua atividade militante. Muitas vezes a pessoa jamais pensou em estar naque papel, então fala pela primeira vez em público e percebe o valor e o peso de sua voz.


Passar em sala de aula


Em sala de aula, quando o(a) professor(a) der a palavra, haverá só três minutos para a mensagem. Serão equipes que percorrerão pavilhões e blocos, identificando as turmas certas neste mapa político da escola e da universidade. Como guerrilheiros da palavra inverterão os papéis e por instantes ficarão no lugar do professor, informando algo importante, legal, útil. O que dizer em cada sala? Como, olhos nos olhos, deixar uma mensagem, motivar, provocar uma reflexão e – por que não? - um sorriso. Que tom usar ao partilhar uma indignação, um protesto, que devem calar fundo no coração dos nossos colegas? E depois, o mapa de salas, para quantos falamos, será que nossa mensagem foi aceita?


Esta é a escola do(a) militante estudantil. Ter a oportunidade de falar a uma sala repleta, liderar uma boa panfletagem que em uma hora atinge milhares de pessoas, estar com uma bandeira no alto significam muito. São gestos muito importantes de nossa história, vitórias que custaram muito sofrimento e heroísmo. E são um contato insubstituível com a juventude, o momento mais fácil de pedir-lhe atenção para a luta, quando nos dirigimos ao povo com nossa voz, gesto e olhar, com nossos argumentos e idéias.


E é a hora de pôr a prova a nossa mensagem. A atenção e adesão que ela recebe definem se ela é importante mesmo, ou se é só viagem nossa e não estamos errando em alguma coisa. É o termômetro da justeza de nossas idéias e do reconhecimento de nossa ação perante a parcela mais aberta à nossa mensagem, nossos colegas, que a depender do que e como digamos poderá vir a lutar ao nosso lado ou ficará só olhando.


São atos de entrega, de exposição pessoal e rebeldia ante a dispersão e a apatia. Nunca passamos em sala ou panfletamos em vão, mas sempre em função de algo especial. Passar em sala de aula e panfletar são artes, são a principal arma quando é necessária a mobilização da juventude. E que ato de rebeldia é olhar nos olhos dos estudantes e fazê-los (e até o professor) concluir que a aula mais importante é nas ruas, a passeata.


As passeatas do Fora Collor


E quanto a passeata legal, ninguém ganhou do Fora Collor, que até deu uma ajudinha, bastava olhar a figura bizarra para entender que não dava pra agüentar aquela histrionice. Mas o fato mais importante é que o movimento secundarista teve a capacidade de renovar formas e métodos de luta sem perder o centro, e valeu-se de uma palavra de ordem ajustada para mobilizar a parcela mais combativa da juventude – nas escolas – para escrever um novo e inédito capítulo na História do Brasil. À época o movimento estudantil vivia um período de refluxo, no começo, ninguém apostava naqueles adolescentes. Mas à medida que as praças foram enchendo foi ficando impossível ignorar aquele clamor.


É claro que sempre há aquela galerinha do contra. Esse pessoal nos “ajudou” muito, diga-se de passagem. Enquanto ficaram na janela reclamando, fomos construindo um movimento de massas. E tem gente muito sofisticada que tem na palma da mão a fórmula para tudo. Geralmente a fórmula é tão doida que ficam sozinhos, reclamando do povo que, por não ser besta, tem mais o que fazer que ficar ouvindo playboyzinho radical. Mas a militância secundarista não tem tempo pra isso. Seu sobrenome é luta, e sem medo de errar afirmo que nesta hora que o país atravessa os(as) secundaristas têm muito a fazer como a principal força em mobilização de massas na juventude brasileira.


O mito pseudo-esquerdista de que o Fora Collor foi algo patrocinado pelas elites sempre foi a expressão da freqüente e espúria coalizão entre a “ultra”-”esquerda” livresca e a direita temerosa de povo na rua. Sua crítica pseudo-esquerdista (bota pseudo nisso) era de que estávamos fazendo demasiadas concessões “na forma”, na amplitude, na universalidade da nossa mensagem.


Bobagem completa. Estávamos certíssimos, a História o provou. Em um momento de total defensiva do campo progressista – foi logo depois da Queda do Leste – os estudantes secundaristas e universitários brasileiros mobilizaram milhões de jovens desde a 5a. série, muitas vezes, até a universidade. Seu destemor contagiou o Brasil inteiro, carregou baterias e esperanças e afirmou o movimento estudantil, o protagonismo da juventude. O Fora Collor foi protagonismo do povo, da juventude e dos estudantes, a prova que após a volta da democracia era possível interferir nos rumos do Brasil e a rejeição da agenda collorida, depois implantada por FHC, o neoliberalismo.


O Fora Collor inovou na forma e ousou fazer de manifestações políticas algo legal. Tinham a trilha sonora que todos ouvíamos, dialogavam com nossas angústias, mas também com nossa vontade de curtir, pular, a rebeldia do nosso jeito. Então tinha sim muito axé, Legião Urbana, as palavras de ordem tinham ritmos variados e engraçados e a gente “tirava onda” com quase tudo, fazia gestos coletivos, verdadeiras coreografias, conversava muito com a galera da passeata, que participava bastante. Eram lugares de encontro de galeras de várias escolas, e, claro, sempre se paquerou bastante, ou seja, a passeata era um movimento da nossa época, com a nossa cara pintada e com uma linguagem adaptada, com potencialidades e limites, mas era sobretudo um espaço aberto ao povo.


Desde essa época passei a achar a coisa mais linda do mundo a multidão no meio da rua e também aprendi que o movimento também tem sua tecnologia, que estes adolescentes e jovens unidos podem inventar danações que deixam os poderosos de cabelo em pé.


O movimento é também um conjunto de técnicas que a gente inventa


Tenho muito orgulho de ter redesenhado com aquelas multidões os mapas e caminhos da mobilização estudantil em Fortaleza. O nosso era mais ou menos assim: saíamos do Liceu do Ceará, pegávamos a contramão na Liberato Barroso e juntávamos toda a galera na frente do Rio Branco. De lá, passávamos na Guilherme Rocha, parando o Oliveira Paiva, pegávamos a São Paulo e passávamos em frente ao CR (Comitê Regional), depois corredor da Imperador, onde de uma vez só parávamos Rui Barbosa, Fênix Caixeiral, Sistema, Anglo, Positivo e, finalmente, encontrávamos na praça Clóvis Bevilácqua as duas outras marchas que vinham do Justiniano de Serpa e outra lá do Adauto Bezerra. De lá para a Praça José de Alencar e/ou do Ferreira.


Era a descoberta de que podíamos inventar aquelas coisas, que dava certo, e o PCdoB sempre ali, apoiando, dando um toque, torcendo por nós, para que desse certo. Ana Lúcia, Rubens, Rodrigues, Patinhas, Chico Lopes, Inácio, a gente sentia que aquele pessoal tava do nosso lado mesmo e eu nunca esqueci, no dia do Fora Collor mesmo, quando ele caiu, o Rubens, já um senhor de idade em cima da mesa na sede do Comitê Regional do partido cantando a Internacional e com a bandeira do Partido e um monte de gente – a maioria estudantes - comemorando tão felizes!


Multidões descobriram pela primeira vez a força do movimento estudantil e afluíram para nossas reuniões, que multiplicaram por dez o número de participantes. E se é verdade que tínhamos sido capazes de chamá-los, nem sempre éramos capazes de mantê-los ativos, e assim eu aprendia esse descompasso entre a influência política e a estruturação orgânica. Ou seja, entre a nossa capacidade de falar de modo que o povo entenda, propor formas que estimulem a sua participação e a identidade com o movimento e, por fim, que tal sensação de pertencimento, efêmera naquele evento, pudesse se tornar um compromisso mais permanente, que a pessoa compreendesse mais para entrar na luta.


Rompemos ali com vários preconceitos que engessavam o movimento estudantil em uma fôrma quadrada, ignorando uma noção básica da nossa concepção de movimento, que é ele ser de todos os estudantes, porque do contrário estaremos dando as costas para muita gente que pode ajudar na luta.


O movimento pode e deve ser divertido e nem sempre as pessoas se encantam pelas mesmas coisas, ou pelos mesmos argumentos. É absolutamente legítimo participar do movimento porque é legal, por se reconhecer naquela turma de luta, por tantas razões válidas por tirar aquela pessoa da letargia, da não-participação, do ceticismo. A estranheza deve haver quando o movimento, feito de gente tão jovem, seja chato. E chatice não é profundidade e nem politização, do mesmo modo que ser legal não é ser primário, raso, despolitizado. Muito ao contrário, a juventude é generosa, vibrante, se emociona com o que é belo e justo, compreende com rapidez e é ávida pelo conhecimento. Traduzir não é rebaixar, mas inovar na forma preservando o conteúdo, instilando emoção, beleza e razão. Por isto é tão importante que cada um de nossos militantes se empodere das suas responsabilidades em seu lugar e posto, pois precisamos de sua criatividade. Sem ela não haverá as respostas desta época.


Traduzir as bandeiras e atualizar as formas de mobilização

Desde lá, muita água passou debaixo do moinho. Só para citar um dado, já faz dez anos(!) que tenho um e-mail (e nem foi o primeiro), algo que não existia em 1992. O movimento hip hop tem uma grande força, impensável para a época, e as formas de mobilização e registro dos fatos se popularizaram enormemente. Esta moçada é chamada a um grande desafio, incorporando as lições do passado, mantendo a irreverência e o conteúdo, inovando na forma e preparando uma nova vereda de possibilidades na luta de massas. O que não muda é que quando milhares de estudantes e trabalhadores tomam as ruas, impõem respeito. E estas multidões juvenis estão na escola, na universidade e no trabalho todos os dias e devemos falar para eles.


A hora é de revisitar estas criações do povo, da juventude. Reencontrar a forma e lutar para que prevaleça o conteúdo correto em novas mobilizações de massas que apontem o caminho da mudança, expressando de maneira clara objetivos que são de todos e que por isto podem levar à praça pública.


Mas encontrar a tradução para os anseios do povo não é fácil. Quando Lênin encontrou a consigna Pão, Terra e Paz, em 1917 em plena Rússia Tzarista, tais palavras interpretaram as mais profundas necessidades do povo, e isto foi o estopim de uma mobilização que mudou o planeta. Quando apontam-se seis reformas elas não estão prontas, carecem de tradução para encontrar guarida no coração do povo. Como traduzi-las na juventude? Nesta hora, o que o Brasil mais necessita é dessa energia dos estudantes secundaristas, que abraçaram desde o começo o projeto da UJS, levaram adiante a Campanha do ''Se Liga 16'', fizeram o ''Fora Collor'' e não vacilaram em enfrentar a direita golpista nas ruas de Brasília em 16 de agosto de 2005. Se é verdade que sozinhos não poderão tudo, não menos verdade é que estarão na linha de frente das decisivas mobilizações que defenderão e aprofundarão o novo tempo.

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