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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Memória de Maurício Grabois - Jorge Amado,



Fundação Maurício Grabois



Além de companheiros, fomos amigos. Quero dizer com isso, que nosso relacionamento, diário durante algum tempo, não se reduzia aos limites das circunstâncias partidárias


Entre os muitos dirigentes comunistas com quem tratei durante meus anos de Partido, Maurício Grabois foi um dos daqueles a quem me liguei por laços mais profundos do que os da luta política, da militância. Além de companheiros, fomos amigos. Quero dizer com isso, que nosso relacionamento, diário durante algum tempo, não se reduzia aos limites das circunstâncias partidárias, gostávamos de estar juntos, conversar fora das reuniões, falar de temas que não tinham que ver com as tarefas recebidas e cobradas. Maurício era verboso, falava muito – quando o conheci, ainda bem jovem, seu apelido era Vitrola -, mas sabia ouvir, hábito raro em geral e ainda e mais num dirigente.

De Maurício, podia-se divergir sem receio de ofender a disciplina partidária. O culto à personalidade, tão ao gosto da época, ele não o praticava ao menos no que se referia a sua própria figura: membro da Comissão Executiva era, no trato, o igual de qualquer modesto militante. Essa falta de presunção, eis uma das coisas que eu mais presava nele. Outra era a capacidade de duvidar, de querer saber de fato, tirar a limpo, num tempo em que a dúvida não era permitida, era mal-vista, quase sinônimo de falta de firmeza, senão de coisa pior. Talvez por ser judeu, Maurício tinha o gosto da dúvida e acontecia-lhe provocar a discussão, estender-lhe os limites, colher matéria para reflexão. Não sei se era bom teórico ou não, jamais consegui entender, muito menos julgar, tais categorias. O que sei é que em Maurício havia uma certa sensibilidade, um calor humano que o espírito de seita, tão terrivelmente limitador, não conseguia destruir. Fui testemunha, por mais de uma vez, do preço que pagava por não ser estreito.

Fui seu colega de bancada na Constituinte em 1946 e na Câmara Federal, em 1947. A meu ver, Maurício era, de todos nós, o de maior vocação parlamentar, um brilhante deputado. Não da mesma forma que era brilhante Mariguela: diferente, menos zombador, mais malicioso. Recordo ainda hoje um discurso que Maurício pronunciou às vésperas da cassação da bancada comunista, respondendo a Flores da Cunha que nos acusara de traidores da Pátria. Um primor de discurso, de exemplar dignidade.

Trabalhei com ele na ilegalidade — Maurício foi responsável pelos assuntos culturais —, muito discutimos e nos batemos, sobretudo em determinado tempo quando o horizonte ideológico ficara extremamente reduzido. Surpreendi-me mais de uma vez ao saber que Maurício defendera junto a seus pares da Comissão Executiva, ponencias e posições que não correspondiam por inteiro à ortodoxia imperante.

Era alegre, outra qualidade. Não cultivava o ar soturno, a caratonha de tromba, características daqueles idos. Recordo de tê-lo visto triste, acabrunhado, apenas uma vez. Chegava de Moscou onde o relatório de Kruchov ao XX Congresso do PCUS incendiava o mundo. Maurício veio ver-me em minha casa no Rio; estava ferido, eu já disse. Conversamos uma tarde inteira, conversa a “batons rompus”, ao sair ele confirmou: “eu vou em frente, haja o que houver!”

A última vez que o vi, foi em Cuba. Veio comentar comigo uma entrevista que eu dera a um jornal de lá. Depois vieram os anos da ditadura militar, eu soube de Maurício apenas notícias vagas, até que alguém me informou que ele morrera, numa guerrilha, no Araguaia. Eu sempre vira nele mais um intelectual do que um soldado. Mas não admirei que morresse guerrilheiro: escolhera seu caminho e o trilhou até o fim. Haja o que houver, me disse um dia.

Jorge Amado

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