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sábado, 22 de outubro de 2011

Intrigas e golpes das elites no Brasil — os casos Vargas e Jango - Por Augusto César Buonicore*

Revista Princípios -   Edição número 81 >  www.grabois.org.br
Por Augusto César Buonicore*

O atual ataque das elites ao governo Lula dá continuidade a um histórico de ações contra a possibilidade de mudança e pela continuidade dos privilégios das elites entreguistas


Vargas, Lacerda e o mar de lama... e de sangue

Na eleição presidencial de outubro de 1950, Vargas obtém 48,7% dos votos da coligação PTB/PSP. O resultado não deixa de ser surpreendente, pois ele teve contra si a maior parte dos órgãos da imprensa brasileira. No entanto, nas eleições para a Câmara dos Deputados, a UDN, principal partido de oposição, elegeu 81 deputados; o PSD 112; e o PTB, sigla pela qual se elegera Vargas, apenas 51.

Assim, a governabilidade estava liga aa possibilidade de se estabelecer uma aliança entre PTB e PSD — ambos criados pelo próprio Vargas em 1945. O PSD acaba sendo o principal beneficiado da aliança. Na composição inicial do governo ele fica com quatro ministérios e ao PTB cabe apenas o do Trabalho. Também a garantido um ministério para a UDN, visando a neutralizar algumas de suas alas não antivarguistas. Ao PST de Adhemar de Barros cabe apenas um — embora importante —, o Ministério da Fazenda.

No ano anterior, quando alertado sobre os ataques que sofreria por parte da imprensa conservadora, Vargas respondeu incontinente: “Não preciso da imprensa para ganhar”. Seu interlocutor retruca que esta poderia não ajudar para ganhar, mas ajudaria a perder. Quem faz essa importante advertência é o jornalista Samuel Wainer, que estava no centro de uma das crises que atingiram o segundo governo Vargas.

Naqueles anos um jornal se destaca pelos seus ataques furiosos à candidatura e ao governo Vargas: o Tribuna da Imprensa. Ainda em junho de 1949, Carlos Lacerda, seu fundador e diretor, escreve: “O Sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.”
Consumada a vitória eleitoral, a oposição liberal-conservadora passa a utilizar maquinações golpistas para impedir a posse do novo presidente, alegando que ele não tinha conseguido maioria absoluta dos votos. A tese é absurda, mas conta com o apoio entusiástico da grande imprensa. O debate parlamentar se estende até a diplomação de Vargas pelo Supremo Tribunal Federal em janeiro de 1951.

Nos meses seguintes, a mesma imprensa usa a estratégia de não noticiar nada, fazendo descer um manto de silêncio sobre suas realizações do governo. Na primeira reunião dos ministérios, por exemplo, apenas um repórter aparece: Samuel Wainer. Naquele dia consolida-se a idéia de criação de um jornal que defendesse o governo.

O silêncio da imprensa liberal-conservadora não demora a dar lugar a ataques sistemáticos. Inicia-se uma gradual e persistente campanha visando a isolar politicamente o presidente. O mote inicial foi a denúncia da corrupção que, segundo a mídia, tomava conta do governo. Mais tarde, seria o perigo da comunização ocasionado pela política demagógica do presidente. Os políticos da UDN, dirigidos por Carlos Lacerda, se tornam o pólo dinâmico da oposição golpista.

No entanto, surgiu um obstáculo aos planos das forças golpistas: o Última Hora, dirigido por Samuel Wainer. Este jornal, fundado em junho de 1951, é um dos poucos — se não o único — a dar apoio ao presidente. Sua linha editorial popular e nacionalista acarreta-lhe, rapidamente, grande aceitação e possibilita-lhe disputar espaços com os grandes jornais da época. Wainer escreve em sua biografia: “Eu era um estranho naquele mundo aristocrático, e eles fariam rigorosamente tudo para expelir-me.”
Não tarda muito para que uma onda de denúncias se levante contra ele. Surgem acusações sobre supostas relações ilícitas entre Vargas e Wainer. Alega-se, entre outras coisas, que o jornal havia sido financiado ilegalmente pelo governo, através do Banco do Brasil. A pressão da mídia leva a que em março de 1953 se abra uma CPI na Câmara dos Deputados.

Escreve Hélio Silva: “Eclodiu a mais violenta campanha que um jornal já sofrera (...) Coerente em sua posição de liquidar a influência nacionalista do Governo Getúlio Vargas (...) caberia agora à oposição derrubar mais uma pilastra em que se apoiava Getúlio Vargas, a imprensa situasionista, representada unicamente pelo Última Hora”. Lacerda tinha espaço aberto na Rádio Globo de Roberto Marinho e nos jornais da rede Diários Associados, de Assis Chateaubriand, e na recém-criada Rede Tupi de Televisão. No auge da crise, o líder da oposição golpista chega a ter uma hora diária na TV para atacar Wainer e Vargas. Lacerda brada sobre o “mar de lama” que tomava conta do governo A CPI se arrasta por cinco longos meses — entre junho e novembro de 1953.

A obtenção de créditos de banco públicos para empresas de comunicação era regra no país. Todos os grandes jornais — inclusive O Globo e Tribuna da Imprensa — estão endividados no Banco do Brasil, mas isso pouco importa para a oposição. Por se recusar a delatar seus financiadores privados — e envolver o presidente —, Wainer é preso por desacato ao Congresso. No final do processo ele é acusado de favoritismo, dumping, concorrência desleal, falsidade ideológica, violação da ética profissional. O cerco conservador não consegue destruir o jornal, que continua a cumprir um importante papel na resistência democrática.

A resposta de Vargas diante da ofensiva conservadora é buscar se aproximar de sua base popular. Em junho de 1953 João Goulart assume o Ministério do Trabalho. Em outubro de 1953 Vargas sanciona e lei que estabelece o monopólio estatal do petróleo; em 20 de dezembro denuncia os excessos na remessa de lucro das empresas estrangeiras instaladas no Brasil; e em janeiro de 1954 assina o decreto em que estabelece um limite de 10% para remessa de lucros e dividendos para o exterior.

O ápice da radicalização ocorre em fevereiro de 1954, quando Goulart apresenta a proposta de reajuste de 100% do salário mínimo. Levanta-se um grande protesto da burguesia e dos setores conservadores da sociedade. A UDN lança um manifesto denunciando Goulart como subversivo; oficiais das forças armadas lançam o documento conhecido como “Memorial dos Coronéis”, na mesma linha do manifesto udenista. Setores da oposição liberal-conservadora conclamam abertamente um golpe militar para destituir o presidente Vargas. Ainda em fevereiro ensaia um recuo e, no dia 22, destitui Goulart. No entanto, a destituição não aplaca a oposição de direita, apoiada pelo imperialismo norte-americano.

Logo eclode uma nova crise, quando é revelado um suposto discurso secreto de Perón afirmando que Vargas havia se comprometido em ingressar num bloco com Argentina e Chile, para constituir um pólo de resistência ao hegemonismo norte-americano no cone sul. O acordo é confirmado pelo próprio João Neves Fontoura, que havia sido ministro de Relações Exteriores de Vargas. Naqueles anos de Guerra Fria, defender uma política externa independente era quase um crime para as elites conservadoras.

Os deputados da UDN pedem nova CPI para averiguar as relações entre Perón e Vargas. O deputado-banqueiro Herbert Levy acusa Vargas de ter recebido dinheiro de Perón para sua campanha e Aliomar Baleeiro de “alta traição”. O líder da oposição, Afonso Arinos, apresenta uma proposta de impedimento do presidente. O Tribuna da Imprensa e outros órgãos de imprensa lançam campanha pela destituição de Vargas.

Diante da radicalização crescente da oposição, Vargas decide também radicalizar suas posições. No Primeiro de Maio faz um discurso no qual afirma: “Hoje vocês estão com o governo. Amanhã vocês serão o governo” e apresenta o decreto que reajustou em 100% o salário mínimo.

O processo de impedimento acaba sendo levado ao plenário da Câmara dos Deputados, mas não existia base jurídica ou política para a destituição do presidente. Em 16 de junho de 1954, a proposta consegue apenas 35 votos, 132 deputados se abstém e 136 votam contra. Uma prova de que a oposição não poderia contar com a maioria do Congresso Nacional na sua aventura golpista e que seria preciso encontrar um novo caminho, extralegal.

A tentativa de assassinato do jornalista oposicionista Carlos Lacerda e a morte de um major da aeronáutica, ocorridas em 5 de agosto de 1954, são pretexto para a deflagração do golpe militar. Apesar do envolvimento da guarda pessoal do presidente no atentado, as investigações feitas pelos próprios opositores não comprovam qualquer envolvimento de Vargas no atentado.

Os militares golpistas instalam um processo à revelia da justiça e do parlamento — é a República do Galeão. No Congresso, a UDN e o PL solicitam novamente a renúncia. O golpe em marcha contou com o apoio do vice-presidente, Café Filho, eleito pelo PSP.

Em 23 de agosto os golpistas organizam em São Paulo uma grande manifestação exigindo a renúncia de Vargas. No mesmo dia, os advogados paulistas lançam um manifesto no mesmo sentido. O Palácio do Catete é cercado por uma multidão que também exige a renúncia de Vargas.

Quando chega a notícia de que os oficiais superiores das três armas também haviam apresentado um ultimato ao presidente e que o golpe estava consumado, uma multidão carrega Lacerda ao encontro do vice-presidente. Pela rádio, Lacerda vocifera que a renúncia não bastava e que Vargas deveria “apodrecer na Base Aérea do Galeão” e, depois, vai comemorar com champanhe francesa a vitória que acredita ter conseguido aquela noite — talvez como o senador Bornhausen espera ver-se livre da raça trabalhista pelo menos por mais 30 anos —, mas erra no cálculo.

Os comunistas brasileiros, mesmo diante da ofensiva reacionária contra Vargas, não conseguiram ver grandes diferenças entre os dois grupos em luta. No mesmo dia do golpe contra Vargas o jornal Imprensa Popular publicou uma entrevista com Prestes na qual afirmava: “O Sr. Vargas já confessou repetidamente que não se sente bem nas suas roupagens de presidente constitucional, mas falta-lhe ainda a força indispensável para realiza o golpe de Estado, liquidar os últimos vestígios constitucionais e implantar a ditadura terrorista que almeja. Neste sentido, a maior ameaça vem da UDN, que cinicamente ainda pretende passar por oposicionista e que tem à frente um grupelho de generais fascistas (...) procuram apresentar-se como salvadores da pátria e pensam ainda poder enganar o povo, criar um ‘novo governo’ (...) que lhe permita, melhor que Vargas, realizar a política de traição nacional, de fome e reação impostas pelos trustes norte-americanos”. Ele concluiu que era necessário “defender a Constituição e impedir qualquer golpe de Estado e militar, venha de onde vier”.

Em 24 de agosto, diante do golpe militar já consumado, o presidente se suicida. As condições da morte e, especialmente, o teor antiimperialista da sua carta-testamento levam a uma rebelião popular nas grandes cidades brasileiras. As redações dos jornais e sedes dos partidos oposicionistas são atacadas pela multidão enfurecida. A massa tenta atacar a embaixada norte-americana, encarada como o centro do complô contra Vargas. O principal líder da direita antivarguista e pivô da crise, Lacerda, é obrigado a se esconder e depois deixar o país. Por sua posição anti-Vargas os comunistas também acabaram sendo alvo da fúria popular. No Rio Grande do Sul o jornal comunista Tribuna Gaúcha teve sua sede depredada. Mas as massas nas ruas, sem direção, conseguem impedir que os planos udenistas se realizem e uma ditadura militar seja implantada.

Esses acontecimentos fizeram com que os comunistas modificassem sua tática. Eles passaram a se aproximar das massas e dos políticos getulistas. Um documento publicado logo após a morte Vargas afirmava: “O momento exige que trabalhistas e comunistas se dêem fraternalmente as mãos e que juntos lutem em defesa das leis sociais conquistadas.” Esta aliança seria muito importante nos anos que se seguiriam.

Jango e o cerco das elites conservadoras

Em 25 de agosto de 1961 o país é surpreendido com a renúncia do presidente Jânio Quadros, depois de pouco mais de seis meses de sua posse. Imediatamente as forças conservadoras saem a campo para impedir a posse do vice-presidente, João Goulart. Os ministros militares lançam uma nota afirmando: “Na presidência da República, em regime que atribui ampla autoridade e poder pessoal ao chefe de governo, o Sr. João Goulart constituir-se-á, sem dúvida alguma, no mais evidente incentivo a todos aqueles que desejam ver o País mergulhado no caos, na anarquia, na luta civil”. A manobra golpista não é bem sucedida e o próprio Congresso, naquele momento, recusa-se a ser coagido.

Amplos setores sociais e políticos se posicionam contra o golpe. Destaca-se a ação de Brizola, governador do Rio Grande do Sul, que organiza um amplo movimento de resistência, chegando mesmo a distribuir armas para a população e a formar batalhões operários. O III Exército, sediado naquele estado, fica ao lado das forças legalistas. A sede da UNE, presidida por Aldo Arantes, muda-se para Porto Alegre. O Comando Geral de Greve organiza uma greve nacional em defesa da posse de Jango. O Brasil chega à beira de uma guerra civil.

Os grandes partidos conservadores, temendo pelo pior, apresentam uma solução de compromisso. A posse de Jango seria garantida desde que se modificasse o sistema político e se instituísse o parlamentarismo. Ou seja, desde que fossem reduzidos os poderes do presidente.
A emenda parlamentarista é aprovada por 236 votos contra 55 — dados pelos deputados do PTB e PSB — e, no dia 7 de setembro, Jango sobe a rampa do Planalto tendo ao lado seu primeiro-ministro, Tancredo Neves. Os comunistas caracterizam o novo gabinete como de conciliação: “conciliação para evitar que fossem colhidos os frutos da vitória popular. Conciliação com os imperialistas, conciliação com os golpistas.”

Ao PTB cabe apenas um ministério: o das Relações Exteriores, dirigido por San Tiago Dantas. Nos primeiros meses de governo restabelece as relações diplomáticas com a URSS. Na Conferência da OEA em Punta del Este, opõe-se às sanções contra Cuba e se abstém na votação da proposta de sua exclusão da organização — propostas feitas pelos EUA. O Ministério da Fazenda, no entanto, cabe ao banqueiro Walter Moreira Salles, que procura implantar uma política econômica ortodoxa sugerida pelo FMI.

O parlamentarismo mitigado traz crises permanentes. Quando Tancredo renuncia, Jango tenta indicar San Tiago Dantas, mas ele é rejeitado pelos partidos conservadores. O outro nome sugerido — o do conservador Auro de Moura Andrade — conduz a uma greve geral promovida pelo CGT. A saída encontrada é a indicação de Brochado da Rocha, deputado de centro com verniz reformista. Isso representa uma vitória dos setores nacionalistas e populares.

O novo gabinete apresenta a proposta de antecipar o plebiscito sobre o sistema de governo para outubro de 1962, quando se renovaria o Congresso, mas é rejeitada. O CGT decretou nova greve geral e uma nova proposta de antecipá-lo para janeiro de 1963 acabou sendo aprovada. Nova vitória da esquerda trabalhista.

Nas eleições legislativas o PTB quase dobra o número de deputados federais: de 66 passa a 116. Os pequenos partidos aliados — nacionalistas e trabalhistas como PSB, PTN, PRT, PST, PDC e MRT — conquistam 49 vagas. Um aumento significativo das forças pró-reformas, se comparado à legislatura anterior. No entanto, representa apenas 40% da Câmara Federal — número insuficiente para iniciar as reformas desejadas. Do outro lado, o PSD conquista 118 cadeiras, a UDN 91 e os pequenos partidos conservadores conseguem 35. Ou seja, 60% da Câmara ficam nas mãos de forças conservadoras.
O resultado não deixa de ser alentador, tendo em vista o volume de dinheiro que é utilizado para eleger uma grande bancada conservadora. Todo o processo de aliciamento e corrupção eleitoral é comandado pelo complexo IBAD/IPES.

Além de financiar candidatos que fazem oposição ao governo Jango, ele apóia e coordena a ação de grupos direitistas, como o Movimento Sindical Democrático, a Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE), a Federação dos Círculos Operários, entre outros. O IBAD/IPES chega a ter cerca de 500 membros, englobando quase 70% dos líderes da Fiesp.

Seus fartos recursos provêm de doações de empresas estrangeiras, particularmente norte-americanas, e nacionais. Entre as companhias estrangeiras que contribuem para os cofres do IBAD/IPES estão: Texaco, Shell, Esso, Coca-Cola, IBM, Hanna Mining Corp., General Motors, Souza Cruz, entre outras. Entre os contribuintes anônimos, a própria CIA. O dinheiro chega às mãos dos IBAD/IPES através do First National City Bank e do Royal Bank os Canada. O escândalo é tão grande que é necessário abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito que acaba concluindo pelo fechamento do IBAD, acusado de corrupção eleitoral e política.

O quadro político é agravado pela eleição de Lacerda para o governo da Guanabara, Adhemar de Barros para o de São Paulo, Magalhães Pinto, de Minas e Meneghetti, do Rio Grande do Sul — todos opositores do presidente e ligados ao esquema golpista. Os setores nacionalistas elegem Miguel Arraes para o governo de Pernambuco e Mauro Borges para o de Goiás. A correlação, portanto, não é das mais favoráveis.

No plebiscito o presidencialismo conquista nove milhões de votos, o dobro da votação conseguida por Jango na eleição de 1960. O resultado cria a ilusão de que isso já representaria a vitória das próprias reformas, mas as coisas se mostram mais complexas e difíceis. No dia 23 de janeiro Jango reassume todos os poderes que lhe foram retirados na véspera de sua posse.

Um exemplo das dificuldades encontradas por Jango, por não ter maioria segura no Congresso: a votação de uma emenda constitucional visando a facilitar a reforma agrária. O PTB apresenta, com apoio do governo, um projeto de emenda que permitiria a desapropriação de terras sem indenização prévia e em dinheiro. Em outubro de 1963 a emenda é derrotada na Câmara recebendo 117 votos (41%), contra 166 (59%). De um lado, dos 74 deputados do PSD presentes apenas cinco votam com o governo, dos 73 da UDN apenas um vota com o governo. De outro, todos os 85 deputados do PTB votaram favoravelmente ao projeto.

Outro exemplo das dificuldades: a tentativa de decretação de Estado de Sítio, como resposta a uma provocação do governador direitista Carlos Lacerda. Este havia dado uma entrevista ao jornal Los Angeles Time criticando a passividade das Forças Armadas brasileiras diante de um governo “totalitário à moda latino-americana” e que “descambava para a esquerda”.

O pedido apresentado no Congresso Nacional sofre forte oposição dos partidos de direita e de esquerda. O CGT lança uma nota em que afirma: “Somos, por princípios, contrários ao Estado de Sítio porque entendemos que a manutenção e ampliação das liberdades democráticas são meios insubstituíveis e necessários às luas contra os inimigos do Brasil e aos interesses do povo.” Sem apoio, Jango tem de retirar o pedido. Esta fraqueza presidencial foi a responsável pelo aumento do ritmo dos preparativos golpistas.

O PSD sempre teve uma posição ambígua em relação ao governo — isto se deve à contradição existente entre sua base social conservadora e sua origem varguista. Conforme a crise política avança, a maioria do partido desloca-se para o campo da oposição golpista.

Nos últimos meses de 1963, Jango tenta organizar uma Frente Progressista de Apoio às Reformas de Base que incluía o PSD. A proposta é rechaçada pela esquerda trabalhista (brizolista). A Frente Parlamentar Nacionalista tende a defender a proposta de Goulart, mesmo à custa de algumas concessões programáticas. A incapacidade de unificar a esquerda leva ao fracasso da ampliação da frente pró-reformas.

Diante da resistência crescente da direita, Goulart rompe a política de conciliação e adere à tese da frente de esquerda nacionalista. Em novembro de 1963 sinaliza uma radicalização de sua política reformista.

O Corvo

“O líder da oposição direitista, Carlos Lacerda, era conhecido como O Corvo. O apelido foi criado pelos jornalistas do Última Hora quando o viram todo de preto chorando ao lado do caixão do jornalista Nestor Moreira, morto numa delegacia. Ele não o conhecia, mas pretendia tirar proveito do ocorrido na sua campanha contra Vargas. Então, o cartunista Lan elaborou uma caricatura de Lacerda na forma de um corvo sombrio chorando ao lado de um caixão. O papel desempenhado na deposição e suicídio de Vargas apenas fez com que afigura de Lacerda se associasse definitivamente àquela ave agourenta.

Uma das características do lacerdismo, nas décadas de 1950 e 1960, era a constante tentativa de encobrir seu reacionarismo com uma retórica moralista. Através da bandeira de ‘luta contra a corrupção’, buscava angariar apoio das classe médias urbanas, que acreditavam que o principal problema do Brasil era corrupção de seus políticos, especialmente os vinculados ao populismo varguista.” (AB) O marco desta passagem, no entanto, é o comício de 13 de março na Central do Brasil, que reúne mais de 200 mil trabalhadores, no qual o presidente apresenta alguns de seus decretos reformistas. A manifestação conta com o apoio da UNE, CGT, Ligas Camponesas, Frente Parlamentar Nacionalista e Frente de Mobilização Popular.

A direita não perde tempo e, em 19 de março, realiza uma gigantesca manifestação intitulada “Marcha da Família com Deus e pela Liberdade”, que reúne cerca de 500 mil pessoas em São Paulo. Organizada por Igreja Católica, Fiesp, Associações Comerciais, Sociedade Rural Brasileira, diversos movimentos femininos e com apoio ostensivo do governo do estado. Uma tentativa de dar base de sustentação para o golpe militar em preparação.

Nos dias seguintes a situação se agrava ainda mais. Em 26 de março eclode a Revolta dos Marinheiros e quatro dias depois Jango comparece à festa de aniversário da Associação de Suboficiais e Sargentos. A quebra da hierarquia militar é utilizada para galvanizar a opinião do conjunto da alta oficialidade e conduzi-la para os braços dos golpistas. Todos os grande jornais — exceção do Última Hora — afirmam que a “ordem democrática” estaria ameaçada e que Jango preparava um golpe. Assim, fecha-se o cerco contra o governo.

Na noite de 31 de março tem início o golpe visando derrubar o presidente da República e o regime democrático. No dia seguinte, o presidente do Senado convoca uma sessão extraordinária e, com Jango ainda em território nacional, declara vaga a Presidência da República. Sob o protesto dos parlamentares progressistas, empossa o deputado Ranieri Mazzilli. A maioria dos governadores, assembléias legislativas e câmaras municipais apóiam a deposição de Goulart. Portanto, o golpe de 1964 não foi um mero complô militar, com apoio do imperialismo norte-americano, ele tinha sólidas bases nas classes dominantes brasileiras.

Como ocorrera em 1954, os comunistas ligados ao PCdoB não conseguiram ver as contradições que existiam entre o governo nacionalista de João Goulart e o imperialismo norte-americano. Enquanto o conjunto das forças democráticas e nacionalistas se envolveu na campanha pelo plebiscito, defendendo a volta do presidencialismo, o PCdoB defendeu a abstenção. Assim, o Partido acabou se colocando no campo da oposição sistemática ao governo Goulart. Em julho de 1963 a manchete do jornal A Classe Operária era “Nem Gorilas nem Goulart. Por um Governo Popular Revolucionário”.

O golpe militar fez com que os comunistas fizessem uma autocrítica de suas posições esquerdistas. O documento “O golpe militar e seus ensinamentos” reconheceu que se manifestaram no seu interior “tendências sectárias” que impediram que ele estabelecesse relações estreitas “com as correntes políticas democráticas” e cometesse “alguns exageros no combate ao que havia de errôneo na política do senhor João Goulart”. Segundo o documento, essas tendências sectárias “obstaculizaram a maior participação do Partido no movimento democrático e antiimperialista e não permitiram que ele exercesse influências mais positivas nesse movimento”.

Augusto Cesar Buonicore é historiador e membro do Comitê Central do PCdoB.

Bibliografia
BANDEIRA, Luís A. Moniz. O Governo João Goulart — As lutas sociais no Brasil: 1961-1964, Ed. UnB/Revan, 2001.
BOITO JR, Armando. O Golpe de 1954: A burguesia contra o populismo, Brasiliense, SP, 1962.
D’ARAÚJO, Maria Celina S. O Segundo Governo Vargas (1951-1954), Ática, SP, 1992.
DREIFUSS, René. 1964: A conquista do Estado, Vozes, Petrópolis, 1981.
GOMES, Ângela de Castro (org.). Vargas e a crise dos anos 50, Relume Dumará, RJ, 1994.

EDIÇÃO 81, OUT/NOV, 2005, PÁGINAS 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34

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